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05/05/2008 11h45
O LAGARTO DO TEMPO
O LAGARTO DO TEMPO
Se estica como a lei,
ora é lagartixa, ora é jacaré,
toma sol, céu, na bunda, no pé...
cai de arribada,
tem asa cortada,
mas sempre sobrevoa
e se ri a toa.
Quem é esse que entre as folhagens se esconde,
simulacro com um milhão de olhos de paisagens,
quem é esse destempo, sem ícones,
sem imagens no altar, esse contralto
no rabo do vento, bentinho beiçudo,
descaído putto da pauta,
que desentoa, no oratório da sala,
afunda a canoa na cozinha
e vara raspando o caldeirão da noite
na concha acesa do fogão?!
Que é esse sopro do instante,
fuligem do inferno ,
carbono e quase- eterno,
escrito nesse caderno?!!!
Ana Cortes
Outono de 2008
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Publicado por Lilian Reinhardt em 05/05/2008 às 11h45
04/05/2008 18h55
O MOTIVO DA ROSA COM CECÍLIA MEIRELES
O MOTIVO DA ROSA
Por mais que te celebre, não me escutas,
embora em forma e nácar te assemelhes
à concha soante, à musical orelha
que grava o mar nas íntimas volutas.
Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,
sem eco de cisternas ou de grutas...
Ausências e cegueiras absolutas
ofereces às vespas e às abelhas.
E a quem te adora, ó surda e silenciosa,
e cega e bela e interminável rosa,
que em tempo e aroma e verso te transmutas!
Sem terra nem estrelas brilhas, presa
a meu sonho, insensível à beleza
que és e não sabes, porque não me escutas...
CECÍLIA MEIRELES IN FLOR DE POEMAS
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Publicado por Lilian Reinhardt em 04/05/2008 às 18h55
04/05/2008 15h54
UMA ÁRVORE COM RILKE (II)
UMA ÁRVORE COM RILKE (II)
Árvore, sempre no meio
de tudo o que a cerca,
árvore que saboreia
toda abóboda dos céus.
Deus vai aparecer-lhe.
Ora, para que ela esteja segura,
ele desenvolve em
redondo o seu ser
e lhe estende braços maduros.
Árvore que talvez
pense no interior.
Árvore que se domina
dando-se lentamente
a forma que elimina
os acasos do vento!
in Inquiétude, Rainer Maria Rilke
1875/1926
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Publicado por Lilian Reinhardt em 04/05/2008 às 15h54
04/05/2008 15h44
UMA ÁRVORE COM RILKE (I)
UMA ÁRVORE COM RILKE (I)
O espaço, fora de nós, ganha e traduz as coisas:
Se quiseres conquistar a existencia de uma árvore,
reveste-a de espaço interno, esse espaço
que tem seu ser em ti. Cerca-a de coações.
Ela não tem limite e só se torna realmente uma árvore
quando se ordena no seio da tua renúncia.
Rainer Maria Rilke (1875/1926)
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Publicado por Lilian Reinhardt em 04/05/2008 às 15h44
03/05/2008 20h09
ORAÇÃO AO MILHO COM CORA CORALINA
ORAÇÃO AO MILHO
Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos
e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e se me ajudardes, Senhor,
mesmo planta de acaso, solitária,
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo
e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consasgrou Pão de Vida, nem
lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que
trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre,
alimento de rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques,
coroados de rosas e de espigas,
quando os hebreus iam em longas caravanas
buscar na terra do Eito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de Booz
e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo na
exaustão o eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica o proletário.
Sou a polenta do imigrante e
a miga dos que começam
a vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta
comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura penosa e
despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória
do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras
à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.
in POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS
CORA CORALINA
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Publicado por Lilian Reinhardt em 03/05/2008 às 20h09
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