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Sensíveis Cordas!

Textos




             (Memoriais de Sofia/Zocha)

Talvez ela esteja agora ao chão  próxima ao sofá de couro, enquanto ele desaparece   sob os jornais e sobrevoa a aldeia com seus olhos visionários.  Talvez ao chão à beira da cama, próxima aos chinelos, ela o aguarde e  o guarde como a um cão   fiel até a próxima cuiada de erva-mate quente. Guardadora de odores  além do tempo , aquela chaleira esmaltada, é bilha  de exílios e desembarques da alma, Zocha  ouve o ressoar de suas alças   batendo contra si própria  após cada movimento dele  para derrama-la na  cuia, as vezes como um grito do pássaro-ferreiro, outras como aos sinos repicando no  campanário da bizantina longínqua,  n'outras como o cinzel de uma batuta sinalizando uma travessia na pauta...A alça do tempo bate forte no sineiro. Na nave dos ventos  sapeca  a língua  a água fervente do mate, aquela erva que ele tão bem conhecia, porque aprendera a sapeca-la  nos terreiros dos barbaquás, nos ervais de Guarapuava...Desfolha-se o tempo, uma linha  amarelecida deixa a moldura, não há gavetas que
aprisionem o trotar da realidade. Ela corta couve-manteiga bem fininha. Um cheiro de alho e cebola invade a noite fria. Ela sempre era vista habitando a floresta de hortaliças que plantava. A couve vem daquela selva para ele. Um sorvo profundo de uma cuiada de chimarrão fervente queima  a alma  e dos olhos sangram labaredas.Há uma pauta acesa sob o frio e o cinza  do tempo no fogão que queima no azul  das gralhas, no inverno, um mate quente ferve o tinteiro, do chão, impassível,  ela o contempla...
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Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 28/06/2011
Alterado em 01/07/2011


Comentários
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Maria Mineira
Saõ lindos seus textos! Entrei e já li quatro deles.Que bom descobrir esse cantinho de beleza e poesia aqui no recanto. virei mais vezes,esteja certa, parabéns e abraço.
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CarlosMoraes
quando ouço Elomar, sempre digo: isto é musica classica, classico do sertão. seu conto me apanhou assim, levou-me aos pampas, senti frio e o gosto do mate, e olhei em minha volta a pocura da chaleira... beijos
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tania orsi vargas
Este conto me leva a outros tempos, tempos de avós a beira do fogão à lenha, esmalte carcomido pelos anos, ele sentado em um cepo e quando não está segurando a cuia suas mãos se unem e as esfrega entre as pernas para aquecer e eu sorvo este calor de tê-los ali tão próximos, a avó faz um movimento esquisito com os lábios quando sorve o mate e eu aspiro o cheiro da lenha verde a queimar chorando seus pingos de seiva enquanto minhas mãos como pássaros implumes tentam alçar voo e os meus olhos marejados pela fumaça olham para o arvoredo através da pequena e embaçada janela e tudo que eu preciso e amo está ali, bem naquela cozinha de casa pobre. __________ Bom poder evocar lembranças. Um abraço com carinho!
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IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Ternas lembranças.Êstes barbaquás retidos nos espaços da memória guardam o odor da erva mate do tempo e a chaleira de ágata é simbolo de uma saudade amargada em cuia,daquêles que alicerceram a nossa história.Sempre muito lindas estas memórias.Parabéns!
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Nelson de Medeiros
São inconfundíveis as suas metáforas cheias de candura... Sabes que a tua linguagem, a tua forma de falar,quando transpões para o papel as tuas idéia, me enchem de um sentimento tão tranquilo e tão diferente que pareço viajar com as tuas letras... 1 grande abraço e a admiração de sempre...

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