LilianreinhardtArte.prosaeverso.net

Sensíveis Cordas!

Textos


                         A parteira
                  


           (Memoriais de Sofia/Zocha)





Lá vem ela, passos compassados, saia longa, franzida, batendo quase nos pés, tão distinta, uma refinada dama, parece emergir de uma tela de Seraut ou de Manet, era uma senhora de multiplas pétalas dona Margarida, aquela parteira alemã que assistiu ao nascimento de quase toda a população daquele bairro pobre da Vila Guaíra. Mora ao lado de nossa casa, na rua Goias, numa pequena morada de madeira, com janelas de duas folhas revestida de heras e cercada por um pequeno jardim de buganvílias  e muitas margaridas.Uma casa silenciosa, um casa memorial, uma morada de memórias como ela, memória viva, tem uma farta coleção de revistas O cruzeiro, Fatos e Fotos, e uma estranha foto na parede desenha-lhe um perfil de uma dama como que saída  dos quadros impressionistas, com sua beleza nórdica.O cabelo cor de neve guardava uma peruca sempre coberta por uma tênue rede, os olhos de safira azuis encravados entre as nervuras das rugas do  rosto alvo, o sorriso miúdo, a voz rouca como a ecoar de profundo labirinto, do outro lado de sua morada habita o único filho ,Vírgilio, alemão casado com a bondosa e simpática Lourdes, uma pernambucana sempre com um sorriso de maracujá doce...

E como  ela não tem televisão, toda a noite passa beirando a cerca de ripas para ir assistir a novela, ou os seriados Bonanza, Laramy, na casa de Florami, a mulher de cera, esposa do funcionário Dirceu do Tribunal . Ela tem um sorriso lacônico e profundo e guarda mistérios com aquela bolsa preta e seus instrumentos. Pisa firme no chão, todos a conhecem, é única, de olhar intenso  e suave e passos compassados. A janela de nosso quarto na lateral da casa abre bem diante de  uma das portas da cozinha de dona Margarida. Quando ela abre a porta a noite  que dá frente para a nossa janela e  joga a água de suas ablusões,  de sua bacia esmaltada, parece chover no mundo, pois que guardarão de mistérios aquelas águas placentárias que ela rega o mundo com o segredo  das intimidades da vida que  tão bem conhece?
 
 
 
 
 
 www.lilianreinhardt.prosaeverso.net/visualizar.php
 paginasdaldeia.blogspot.com/2010/10/parteira.html
 
 
 
 


Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 16/10/2010
Alterado em 18/10/2010


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras