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Sensíveis Cordas!

Textos


             
                        
MISSA EMPÍRICA
                 
                        (Memoriais de Sofia/Zocha)

            Enquanto os sinos dobravam na igreja ortodoxa entre os cedros no topo da colina, na apostólica romana na concha do vale da Vila Guaíra quebravam-se as vidraças, fugiam os carneiros do retábulo, despregavam-se as pétalas das palmas bentas, as sílabas voavam dos salmos, os santos desciam dos altares indignados a investir contra os fiéis com suas máscaras que ajoelhados assistiam a missa empírica. 

          Frei Lucas não conseguiu mais caminhar, congelou-se em  sal de estátua e entrevado  derrubou o cálice de estanho do altar, virou efígie santificado e pegou fogo.
 
             Pelo chão o vinho derramado agora, esparramava-se e um rio vermelho começava a inundar a igreja enquanto estilhaçavam-se os vitrais e os corvos dos trigais alvoroçados guerreavam entre si.
              Os balanços do pátio da igreja católica também, balouçavam as nuvens e já alcançavam  as casas do bairro pobre da vila Guaíra e o vendaval
   impiedoso  sibilava com seu gume as tranças da menina Zocha, tranças que eram trilhos por onde corria pedalando a  sua " Ciclone" verde musgo, a desafiar as bofetadas do vento e navegar sua ave-pipa pelos ares e a tecer com esses fios os pulôveres dos irmãos para os invernos gelados e rigorosos de sua Curitiba. Os elefantes de Dalton Trevisan ocultavam-se agora, nas jaulas em derredor do Passeio Público. Contemplavam só de longe o revoar dos pássaros pelas árvores com os olhos congelados...
             Dona Hilda bate forte os punhos sobre a mesa de taboas largas de madeira crua, a Senhora de Chestokova e de Schoenstat que a perdoasse pois lhe tremeu o altar de madeira da velha igreja de São Cristóvão. Filha de imigrantes carregara na roça em Santa catarina balaios de batata e fardos de fumo para o pai às costas e quando trabalhou no açougue este  ficava-lhe com o salário porque era preciso ajudar a criar os demais onze irmãos, eram doze
  para sustentar na imensa mesa rodeada de bancos compridos sem encosto, na cozinha de chão batido, daquela casa de imigrante. -Temos que comer e um cheiro de ave depenada vem do altar, disse em voz sofrega. Galinha aprendeu ela, se torce o pescoço mas, anjos não roubam nem perdem asas, diz. Temos que desocupar essa casa, não se come letras, os pratos estão vazios, nas pereiras as borboletas estão parindo morcegos, a privada de buraco vai explodir de uma hora para outra e os vermes criarão asas e não reclame se baterem   disfarçados de mendigos de solidão às portas da noite pela cidade, a mendigar amor e se apoderar de óleos e pão guardardos pelos incautos que ainda cultuam a boa fé, a implorar-lhes falso pão de cada dia, e antes que o barco vire, vamos aliviar-lhe o peso. O senhorio assinou nossa carta de despejo. Esse país e suas leis nos expulsa do mundo de novo. Não há juiz que nos conceda outro espaço agora, não temos casa, e não somos família reconhecida perante a lei, bastardos são execretados, banidos, vivem exilados, daqui há pouco, em vinte e quatro horas...a barriga tá roncando, vou até a cidade, olhou a televisão Empire de caixa de marfim, olhou a geladeira Climax que tanto precisava, pensou naquele anel de jade de pedra verde, enganamo-nos com pedras...
     
E assim congelou-se o pátio da igreja com seus balanços onde os sonhos flanavam...
          
          Uma casa bombardeada foi alugada numa chácara distante    sobre o morro dos butiazeiros, no suburbio da Cruz do Pilarzinho, talvez os anjos estivessem lá e na lista dos aprovados do vestibular da Faculdade aparecia o nome da menina Zocha...
            
 
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Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 31/08/2010
Alterado em 05/09/2010


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