desenho/LReinhardt

Fragmentos/37a

A avó postiça lhe deu de presente um colar de pérolas quando ela completou sete anos de idade. A menina nascera em sua casa, na velha casa de madeira de lei e de lambrequins ornando os beirais e de sótão misterioso. O parreiral de uvas como caramanchão era intocável. Uvas só no tempo certo e a menina olhava aqueles cachos de pérolas negras e o fervilhar de abelhas, e a altaneira araucária dos fundos do quintal parindo pinhas que se esparramavam pelo chão...e tinha laivos do tempo das coisas mas, olhava empertigada a avó arrumar calmamente os gravetos e acender o fogo no velho fogo preto e nunca esqueceu do som da portinhola dependurada, a anciã inchava as bochechas a cada sopro e mesmo engolindo fumaça insistia até ouvir estourar entre os gravetos as grimpas secas e ela colocar na trava a porta descaída. A cozinha rescendida de fumaça ardia os olhos, os estalidos do velho assoalho carcomido pelas lavagens à soda afundavam sobre os pés...haviam sons que se espalhavam pela casa, pela metade da casa, a outra parte fora alugada, e os sons se confundiam, os sons como as palavras as vezes se confundem, o cheiro da morte também, cravos na cruz e cravos à janela do sótão, ou no jardim do gueto da rua Goias, ou cravos da índia para tirar o mal hálito, tudo vibra a casa do orgasmo da alma, o primeiro orgasmo que o animal não conhece... _(Memoriais de Zocha)