LilianreinhardtArte.prosaeverso.net

Sensíveis Cordas!

Textos







                      TORRES DE PAPEL/   A BESTA E EU
                                 "...ainda há pouco fitei teus olhos, ó vida! E no insondável parecia que eu ia me afogar!..." 
                           ( Assim Falava Zaratustra, Nietzsche)

                  Assombrei-me. A Besta chegou sem ruídos e cascalhou gemidos, assim anunciava a Tribuna do Apocalipse. Comprei um exemplar e li e reli o verso e o reverso com os olhos estatelados!Varou mesmo das letras escatalógicas pra retaliar a ceia e sentar à mesa  sem peixes e sem pães.A miséria do mundo é a paisagem interior dos homens, noticiava.Os deuses abandonaram os humanóides .Nesta modernidade de mitologias de indústrias culturais, de culto ao mito do Umbigo,tudo leva a marca,  o endosso, a etiqueta. Critérios culturais da moderna sociedade tecnológica. Mas, o amor secularmente continua avalizado por Instituições, seja do preceito como do pré-conceito  , talvez porque o mundo de convivencia societária seja mesmo um cismo institucional  desde a sua genese   e isto com alguns trocados e miúdos no bolso furado  da razão, pode ser  muito bem desdobrado conforme a interpretação  histórica e escatalógica de cada um. E, assim, no desdobre desse texto,tudo pode ser apenas conversório ou equivocados testemunhos de causos mal presenciados, mas que existe, existe a Besta sim senhor! Valha-me  uns e outros que dizem que ela tem um mugido esdrúxulo de uma vaca alada procurando o bezerro e  que de longe trescala morrinha ,porque tem cara de cão e olhos acesos de lampião dolente. Cá, eu não sei não! As vezes sinto seu olor na poeira e quantas vezes já me equivoquei  compondo réquiem à defunto morto. Desta vez olhei em volta, já escurecia, de repente senti cheiro nenhum  e só ouvi  o zumbido de marimbondos fazendo circunvoluções acrobáticas ao largo das cachopas e de ferrão em punho para o combate.Até lembrei-me dos atiradores de faca. Nada de espanta-los ou provoca-los, eles não fazem mal  à ninguém, a menos que se faça a eles, pensei. Sempre me pego sem armaduras, em estado de zombaria com o tempo. Lembrei-me de todas as rezas, também lembrei-me dos tachos sem fundo das Danaides e cheguei à conclusão de que não adianta rezar  se o coração não acredita mais, se já se assassinou dentro de si certas reverberações de boas memórias - Mas, a besta deve estar por perto, agora...- disse-me a mulher do Nêne, dono do bar da esquina, enfaticamente.  - Ela sempre chega quando não arretada, no disfarce  e na fantasmagoria, as vezes melada, outras vezes margada - Cruzes! - Que estória é essa, siá?  Fui me pentear, cadê minhas tranças? É verdade... cortei há muito tempo! Então, saltou do espelho aquela menina sardenta e saiu correndo porta à fora, com a Besta de atrás ou tomada pela Besta, ainda  trajando diáfanos véus... - Desce daí, pequena! - Gritei. Não vê que tudo é sombra e cascalho e quanto mais lustro menos lusco-fusco, é preciso acender a lamparina  só no breu! E esse aforismo tá cansado de dizer o Zaratustra em sua caverna na montanha. Nada desaconselho. Deixa escurecer bem e incendeia a alma! Grita estrelas, voce que tem fome de estrelas,  -  Se precisar cuspir, vira a bôca pro outro lado do mundo, sobe às montanhas, delira peixes, exercita a tragédia,  mas escarra estrelas ,  que a  sublime Besta tem  desprazer com a leveza, esta é desatrelo de canga  !Lembrei-me do ímpeto cego da Vontade em Schopenhauer, esse mago que converteu Nietzsche...e do  mistério de Ariadne  em Deleuze.
Nossa! Vi de soslaio, num repente, o vulto da Besta em mim, arrepiei-me,  caí ao chão, chorei tonta de emoção no degrau da escada da porta da cozinha de casa enquanto escrevia um poema que vertia sangue, era o meu!!! Bebi-o como vinho! Iniciei-me mais uma vez em minha dor. Dizem que a Ariadne apaixonou-se por Dioníso e enterrou Teseu! E que aquele lhe mostrou  outro labirinto...  amado touro branco...Impossível esquecer tamanha experimentação, parecia que eu me deambulava sobre os penhascos com negras e prazeirosas asas e braços imensos como raízes me levitavam sobre a densidade do pesado véu de Maya. Havia perdido minhas asas no vôo? Não...elas haviam crescido e agora sobrevoavam alturas e viam muitas cúpulas de muitas aldeias.Deitar-me-ia agora, prazeirosamente, sobre o corpo do vento, sentindo-lhe  as carnes, sentindo-o soprar às minhas orelhas labirintícas as vozes do mundo.
            Desassosseguei desde que  senti o fantasma da Besta, da sublime besta de retas coreográficas superiores  deambulando também pelas ruas da  aldeia. Quando acordei, me dei com a cara no espelho das águas do riacho detrás de casa, no sítio. Só via o balouçar das folhas ao vento caindo enquanto piavam ao longe os sanhaços, as cotovias e as corujas voltavam aos esconderijos...  Um  João de Barro espionava-me do pé de sabugueiro, pela moldura da janela, até bati uma fotografia pra guardar na gaveta de lembrança enquanto os zumbidos  escreviam essa estória.  Mas,  mal a noite pariu-se de novo,
e lá o povo começava  repetindo sempre o mesmo ritual, o mesmo lero-lero, a mesma ladainha.
Da Besta ninguém sabe, nunca ninguém viu, mas eu juro que era ela que surgiu agora ali naquela curva da estrada da Mandassaia...só se ouviu um ruído de bateção de asas. E, realmente, do beiral do campanário, ultimamente, ouvem-se estranhos dobrados...Dizem que na festa do padroeiro haverá um sermão explicando melhor sobre a Besta...
Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 21/06/2007
Alterado em 06/12/2007


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras