Antoni Tapiés. Quadrado Negro. Fundação Tapiés,
Barcelona, Espanha.
(Torres de Papel)
Sobre a mesa as folhas espalhavam-se, os livros amontoavam-se, três grossos volumes de cor rosácea clara encapados com plástico incolor não escondiam os garrafais impressos: JUSTIÇA CRIMINAL; FORUM DA COMARCA DE...;
AUTOS n.....; AUTORA: JUSTIÇA PÚBLICA; RÉUS: PEDRO DE TAL.....;
AIRTON DE TAL E BENEDITO JOSÉ F......Os olhos cansados rodopiavam num vôo sinuoso sobre aquele emaranhado de signos.,pareceres, notas, depoimentos...Mas, afinal, Benê porque naquele dia, naquela hora, naquele minuto, naquele segundo, naquele instante...naquele...naquele...Benê, me ouve...v. não tinha que ter embarcado naquele carro, com aquelas pessoas, naquela hora, naquele dia...Ufah! Bene sorri, os olhos lacrimejam...tinha um sorriso largo - V. acha que eu ainda tenho chance?! Indaga-me de forma pueril.- Qual a minha chance! - Ora, digo-lhe. Olhe aqui...e reviro as páginas e mais páginas já carcomidas de tantas releituras...olha aqui, veja isso...veja isso meu amigo...são doze anos e tres meses e quinze dias de condenação...Tá aqui! Olhe! ... - Mas, eu tenho chance, não é? - Claro..claro, digo-lhe....E olho a janela semi-aberta, o velho Simeão, pai de Valquíria cabelereira passando com seu chapéuzinho côco, sempre todo arrumado e perfumado, vaidoso como ele só, do outro lado da rua, frente ao Banco, dona Salustiana, a crente revendedora de cosméticos, quase enfia a cara pra dentro da janela do escritório... À minha frente o olhar de Benê me engolia... Homem de bem, de família conhecida na comunidade, empresário competente, de repente viu-se envolvido numa tragédia por ter presenciado um crime, e sido obrigado a embarcar no carro junto com os infratores. Denunciado, recebera uma condenação que embora com atenuantes deveria agora cumprir , se quisesse obter os favores da Justiça.
As mãos suavam...como demolir aquele muro, aquele quadrado negro que se apresentava sem qualquer saída? - Benê não havia sido prêso ainda, e a qualquer momento poderia sê-lo. A namorada, não o queria mais, seu nome já havia sido lançado no rol dos culpados., a empresa que dirigia já não o esperava mais,e dona Joana sua mãe me mostrara muitas fotos de mãos dadas com filho pequenino, menino inteligente, amoroso...Lembro-me dele agora sorrindo naquele corredor fúnebre...o ruído das correntes abrindo aquelas imensas portas, no presídio, impossível esquecer aquela voz: - Décima Primeira !. Ainda no escritório, naquela tarde de outono, ante o desespero diante daquelas torres de papéis espalhadas sobre a mesa, a sua decisão: - Entregue-me! Leve-me! ..Que se cumpra a Lei! E assim foi feito! Ele recolheu-se à prisão espontaneamente. - A revisão criminal de seu processo foi intentada e só conseguida alguns anos depois, descontada do seu recolhimento... Hoje, Benê é um estrangeiro em sua pátria...ninguém mais o conhece, nem ele conhece a ninguém...
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Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 06/12/2006
Alterado em 23/03/2010