LilianreinhardtArte.prosaeverso.net

Sensíveis Cordas!

Textos


                    ENTRELACES

               (Memoriais de Sofia/Zocha)

            Na rua Paraíba ao lado da Igreja Ortodoxa russa morava dona Irene, a batista e a filha Dagmar. O templo ao lado erguia-se com sua prateada cúpula no aconchego de um bosque de imensos cedros. A casa de madeira de dona Irene era impecável com seu  assoalho espelhado, cheirando a cera de abelhas sob um caramanchão de ipês, pessegueiros e um cortinado de pereiras que debulhavam-se  pelo quintal onde vicejavam  entrocados molhos de pés de  amoras e infinitas manchas verdes de hortaliças. Que revoem as andorinhas sob os fios de alta tensão como a linha de Ariadne  e o vento salpique as cumieiras, todos os dias a jovem Dag ia para o trabalho com seus pullovers impecáveis de lã que ela mesma tecia.Vencendo o barro das lamacentas ruas até o ponto de ôninus na Avenida Guaíra frente à outra basílica ortodoxa,  no cimo da colina, lá ia Dag com sua blusa branca de crivos,  bolsa de tranças de vime, um lenço esvoaçante ao pescoço espargindo  água de colonia.  E, nas tardes quietas da Vila, quando adormeciam os mosquitinhos de Zocha e Leontcho se perfumava para ir ao baile na cidade polaca de Tomás Coelho, há alguns quilometros de Curitiba, Dag saia com sua bicicleta Monark bordeaux de rede entrelaçada nos pneus   pelas planimetrias   da  aldeia. Conduzia-a pelo guidão elevado como a segurar os chifres da escultura do  touro de Picasso. Como era indefinivel  ve-la tecendo com suas agulhas ponteagudas ponto a ponto as malhas que usava, o fio esticava-se e  desenrolava a teia das laçadas como os pontos do formigueiro do céu, o olhar multiplicava as letras dos peixes. A bíblia sobre a mesa de dona Irene, o tapete de trapos à porta, os chinelos de pano, um cheiro de café Marumby do coador de pano, enquanto dobravam os sinos da bizantina as paredes verdes do quarto insólito da casa da rua Goiás choravam,  desfolhavam e amanheciam doendo...

paginasdaldeia.blogspot.com/2011/04/entrelaces.html

Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 03/04/2011
Alterado em 06/04/2011


Comentários
foto
tania orsi vargas
Fico a pensar na multicolorida tela de inocontáveis paisagens neste imenso país de tantos contrastes. Esta tua Vila tem coisas da minha paisagem, o frio, os ciprestes, o tricô, pois desde muito pequena via minha mãe com suas lindas mãos fazer nascer vestidos, mantas, casacos...as ruas lamacentas, meu estradão de barro e pó, as amoreiras, e até a moça da bicicleta, que tenho uma que ficou num antigo poema contando coisas da minha infância; a moça que eu via passar como mágica com seu uniforme de saia azul marinho e blusa branca, seus carpins brancos e o rabo-de-cavalo de seus lindos cabelos castanhos. Um belo quadro este que você pintou tão eximiamente e me emocionou como sempre. Abraços!
foto
J Estanislau Filho
Nos entralaces das palavras, pude ver a lama, as ruas, a bicicleta e os personagens, no enquadramento da câmera de Trufaut, ou em uma tela impressionista. Leitura agradável, sempre, não importa o gênero, não importa o tema.
foto
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Ah! Estas aldeias que povoam nossas lembranças.Êste geito "polaco de ser" escrevendo histórias em estradinhas ora poeirentas,ora lamaçentas,que rodopiam nas curvas das araucárias,conduzem ao templos incensados recheados de cantos e rituais em manhãs douradas que se vão esfacelando pelos trechos demarcados de sonhos dêstes pagos do Sul.Prazer imenso em ler seus escritos.Obrigado por tão boa leitura.
foto
Renato F Marques
Parabéns pelo esse belíssimo dom... Visita meus textos, pois eles aclamam pelo seu nome. Desejo sucesso e, por favor, nunca pare de escrever.

Site do Escritor criado por Recanto das Letras