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Sensíveis Cordas!

Textos


pintura/esboço no cavalete/retrato
por Lilian Reinhardt

    VERMELHOS E VERDES ARENA 3x4

   (Memoriais de Sofia/Zocha)
         (fragmento/narrativa real/primeiro/ escritório jurídico/ compreendendo os Munícipios de Campina Grande do Sul/Quatro Barras/Piraquara/PR
                           I -
Era uma pequena sala que se ligava à outra menor ainda por um minúsculo corredor. Uma câmara dentro da outra ou uma sombra sobreposta à outra, num duplo como uma lente e talvez o trajeto a se percorrer não ficasse tão longe da arena se o olhar pudesse decodificar os entalhes dos rastros pelas pedras sulcadas ou as manchas quentes de amor   ainda sangrando da cama desertada por ela, quem sabe se pudesse assim percorrer aquele anfiteatro com menos atalhos...
       Mas, no espaço maior só cabia mesmo no tabuleiro um singelo jogo de poltronas em curvin, de cor púrpura, que ela havia recebido como presente,   acompanhado de uma mesinha de centro vermelha, agora pousada num dos cantos da sala de espera e que ali se postava como um pedestal, um anteparo a segurar uma escultura do vazio   e fazer contraponto à pintura de Bragolin dependurada na tosca parede de madeira de cor bege-  com a imagem de um menino chorando - infelizmente uma cópia adquirida por ela num magazine a preço exíguo, devido as circunstâncias.
     A entrada era pela lateral do chalé e nesta ficava a porta principal do escritório que o expectador ao pisar na saleta vestíbulo deparava-se com outra porta, a qual se cuidava sempre se mantivesse fechada, pois que se aberta levaria a outra porta e desta à goela de um gélido banheiro. Mas, se ele dobrasse antes o olhar em curva e fugisse com este da linha de fuga do horizonte tomaria o corredor do anfiteatro a direita que o conduziria à porta da câmara a esquerda aonde se chegava à arena encravada, uma minúscula sala três por quatro que mal continha uma escrivaninha retangular envernizada, com a tarja em metal de qualidade gravada de móveis C., uma cadeira de couro sintético negro, um pequeno banco também do mesmo material que ficava à frente da mesa, móveis esses presenteados por uma amiga  a título de incentivo , estímulo e pesar diante  da necessidade de trabalho da protoganista e mais escondida você veria num canto uma velha estante recolhida de sucata da garagem da casa de sua mãe que parecia olhar para você enternecida.
                  II

             Tudo ali comprimia-se, imantava-se condensava-se . Sobre a mesa dois códigos de leis de encadernação barata, um de direito civil e o outro de direito penal e ruminando o olhar os andares vazios da estante de livros compondo um devir de espaços desertos, outrora amplamente habitados, que ocupavam agora de espasmo as lembranças da protagonista.Com a sua evasão forçada do lar conjugal havia deixado sua  estante de livros e ele não mais a devolvera, era o único bem que ela lhe reivindicara. No enredo, fragmentos perdidos... Mas, aos fundos da pequena arena você veria agora, ainda, aquela janela de vidraça fosqueada com seu olho embaçado, aprisionado no gradil da frágil moldura de ferro donde emergiam as sombras bruxuleantes da paisagem da pequena cidade ainda desconhecida, como a deixar-se ver apenas fração da nudez de seu tornozelo de quiméricas lendas, sob a abertura do espaço  que tentava esgarçar a luz ao exíguo ambiente.
 
                   III -


    Eu sei que ela havia conseguido por empréstimo aquelas salas para trabalhar, sob a condição de comodatária e havia contado com ajuda benevolente de amigos que testemunharam a sua dramática separação , caso insólito naquela  aldeia ainda adormecida, mas lugar que ambos haviam escolhido para seguir os sonhos e da qual ela fora embora com a separação, mas, tivera que voltar porque a aldeia fora busca-la  num escritório desconhecido na Capital, quando a primeira causa que lhe caíra nas mãos era para atender na aldeia da qual tinha ido embora.
          O local de trabalho no chalé, compreendia uma vizinhança com outros profissionais, lado a lado, em casa geminada. Na sala da frente vizinharia com a dentista loura, recém casada, irrequieta e de grandes olhos verdes , de olhar ciumento e ambicioso e pelos fundos com as salas do escritório de engenharia do marido dela, um engenheiro
 de aparência frágil, mas determinado, de voz dócil, aparentemente compreensivo aos reclamos de sua mulher.

               IV-


        No espelho, o tabuleiro, aquele espaço três por quatro identificava os traços e a fisionomia de um rosto desdobrável, de cartas de incógnitas feições   como um desafio à  protagonista , com suas articulações nervosas e peças a movimentarem-se sobre uma topografia fronteiriça que o destino inicialmente começaria por surpreende-la com seus colegas e vizinhos de trabalho...
   Ela, que deixara todos os seus móveis e pertences para ele quando da separação e que agora não tinha móveis para compor aquela pequena arena de trabalho e o que conseguira o fora por donativos da família e de amigos,
certa manhã ao adentrar a porta do escritório de engenharia de seu vizinho viu determinadas mesas  cadeiras, armários e outros e outros objetos extremamente familiares. Quedou perplexa quando seus olhos reconheceram seus pertences pessoais guarnecendo os ambientes de seus colegas de trabalho, nas salas contíguas. Os móveis pertenciam a sua casa, haviam ficado com ele. Os seus agora vizinhos, colegas de trabalho haviam adquirido do marido a propriedade de porteira fechada, com todos os seus pertences pessoais, os quais ele se recusara a devolver. – Mas, Onde estariam os seus livros? A única relíquia pela qual lamentava?


             V -
    A pequena sala de atendimento era aconchegante, disse-me ela, embora as vezes sufocante a carecer de oxigênio dada  a exigüidade do espaço, oprimia mas aproximava os contendores e aumentava o terror essa proximidade,a possibilidade era constante de uma explosão, permanente estado de tensão, ela o sentia entre o vazio e o esforço de   contenção   a mergulhar, os olhos perdidos dentro de si sem compreender como viera ali parar.
       - Que anfiteatro era aquele, que arena compressora era aquela? – perguntava-se. Onde ficara nas dobras do tempo com seus sonhos, seus ideais e que papéis da realidade havia rasgado? Deixou cair o olhar sobre os corpos inertes daqueles dois códigos de leis, segurando a cabeça entre as mãos e chorou. Chorou profundamente ao sentir-se ali congelada, sozinha e  ao mesmo tempo fluindo, num paradoxo voraz do tempo com suas vértebras acesas. Havia acreditado em que, no amor ou na carência?. A separação inevitável acontecera há pouco tempo. E ela ainda sentia o gosto amargo de haver optado pela insolitude para sobreviver. Mas como ele lhe fazia falta, havia sonhado dividir o mundo com ele. Ninguém foge de um aconchego de amor sem graves razões. Escapara só com uma pequena maleta de sonhos perdidos nas mãos e a roupa do corpo. Nada reivindicara a não ser o direito à vida, continuar viva, longe da violência dele que  demolira as paredes dos sonhos de ambos.Encontrá-lo já havia sido um desvio do destino para ambos, sendo tão diferentes, e segui-lo uma apoteose de naufrágio. E, recomeçar agora era  direito à sobrevivência de ambos, para ela mesmo à mercê da misericórdia alheia para ajudar a recompor-se através do trabalho. Ele, de abastada e notória família  lacraria a porta a ela, não sem antes have-la chamado por inúmeras vezes, e ambos tentarem em vão, mesmo ela tendo a guarida do pai dele. Ele mantinha-se rebelde acabou por morrer, sòzinho, um ano após a separação, de forma violenta.Esse fato a marcou dolorosamente.  Agora, nova página na curva da estrada roseira,profunda era a causa das incompatibilidades que ela haveria de submeter-se diante das necessidades, da solidão e do desamor que tinha para com a profissão errada que escolhera e que custava a assumir. Mas, o Direito  estendia-lhe as mãos sinistras e benévolas, e  se fazia ancião complacente sobre o abismo da sua realidade. Escapara  do lar conjugal com  vida e o  diploma de bacharel embrulhado numa pequena maleta...


               VI -

  
    Lá fora,o olho cego da janela de vidro fosqueado só permitia ver,  as sombras da paisagem de corvos entre os caquizeiros, encobertos pela serra do mar e as sombras daquele lugar estranho com seus fantasmas que se formatava entre as colunas daquele jardim assombrado de Babilônias que perambulam pela única praça,onde agora ela também caminharia  sob as asas de seus sonhos....ainda sentia nos lábios o gosto do ultimo beijo molhado dele...
            Eu a vi quando ela olhou em volta, rodopiou e cambaleando tombou cansada na poltrona que lhe grudava o couro na pele das pernas brancas;eu a vi lutando para desenrolar-se dos pergaminhos inscritos sob a pele com a flama ancestral lhe queimando as veias ... e suas terminações nervosas aflorando acesas! Vi quando o velho pai chegava de viagem, com as longas botas de longos estribilhos, com seu chapéu de abas largas e lhe sorria dos jardins suspensos de suas ancestralidades...escutei-lhe a injunção ao chamado de cumprimento das vozes naquele mar do sertão! O bisavô paterno trabalhara com a justiça, o pai não conseguira bacharelarar-se porque o pai morrera cedo aos trinta e três anos, deixando-o com sete anos de idade e o avo tropeiro o recolhera para a fazenda, e as andanças tornaram aquele viajante que muitas vezes lhe ditava suas narrativas, um rábula, pai de sorriso largo e caminhante,´- Sua bençã pai! - , Deus te abençoe filha!... Lembra dele magro e de olhar fundo na poltrona da Reitoria, em sua formatura, com seu olhar fundo donde flamejava ainda, apesar de já muito doente,uma chama de misterioso brilho, o qual ela deveria segurar aquele archote...E, não sabia que o seguraria, pois aquela oficina jurídica, de ideiais de Justiça seria a primeira naquela aldeia e em toda aquela região, a pioneira...


             VII -

         Ela acordou com olhar de um amigo sobre si, era Melquídes, trazendo um grande vaso, com um pé de palmeirinha já crescido: –É para decorar aquele canto ali – disse ele. Ela olhou em volta, ainda atônita...- E,trouxe também um capacho e uma lixeira nova de plástico – completou ele.
           – É preciso decorar o ambiente disse-lhe com voz forte e entusiasta. - Agora só falta a placa, continuou, estancando o pesado vaso no lugar devido e contemplando-o de várias perspectivas convencido do lugar – Muito bom, muito!
- Ah...sim, aquiesceu ela - A Placa? Claro! – Dá-me o seu diploma que vou mandar emoldurar para pregar na parede, pediu ele.
     Ela o mirou com ternura , lembrou do diploma enrolado  ainda dentro daquela maleta de viagem forçada,mas, um ruído estranho interrompeu-os. Era da broca da dentista na sala vizinha, ali tudo se escutava, a casa era de madeira, de pinho araucária,   taboas largas, assoalho para encerar. Ela, inquieta, não se conteve e saiu para fora.O jardim era árido, sem nenhum verde a circundar a casa, mas, não podia reclamar, pensou...onde ficou a minha casa, com meus jardins de azul plantado nos olhos dele, ainda há pouco ela caminhava entre aqueles canteiros...entre os caquizeiros em flor... Nada a reclamar... nada... importava trabalhar...trabalhar.... suspirou e saiu em frente, quando
      levou um susto pois a placa já estava colocada num grande suporte de ferro junto a amurada   do jardim... Em letras pretas sobre fundo branco, lia-se: “Z.Advogada”, agora na porta da câmara a convocação do serviço. materizaliza-se.

                VIII -

As pessoas a olhavam com curiosidade. – Mas, esta profissão dá nessa terra? – perguntou-lhe o velho Fagundes  escorrendo o fio da saliva entre os dentes, um dia ao cruzar com ela atravessando a rua.Ela sorriu-lhe, bom dia, seu Fagundes, como vai?...e atravessou o rio.
     Outros  momentos se faziam presentes agora, novas passagens sob as pinguelas e naquela hora ela esqueceu por instantes o árido jardim sem verde que circundava a casa. Precisava trabalhar, sustentar-se, ajudar a  mãe viúva, que tanto precisava  sair da cidade grande, pois era uma camponesa filha de imigrantes e fora criada na lavoura, então ela compreendeu que devia voltar à vida. Correu o olhar pela rua, era a avenida principal da pequena cidade. Do outro lado um bar pintado de verde donde podia-se ouvir o burburinho dos tacos, das mesas de jogo, do tinir dos copos, no lusco-fusco da tarde morrente, sob o vermelho   intenso das paixões dos jogadores que arfavam em gritar e embriagar-se e lembrou de  Van Gogh que escrevera a seu irmão Theo que pintara  um bar verde e vermelho, cores de intensas paixões e misérias que ardiam nos bares. Voltou-se então, repentinamente para o chalé e a visão de  seu labirinto  queimou-lhe a alma dos olhos com suas imensas labaredas. Não conseguia decifrar os epigramas que se escreviam das quimeras acesas, mas fixando o céu viu por instantes que aquela hora do crepúsculo os corvos nos remoinhos dos trigais, além das flores dos caquizeiros já haviam sumido sob o céu de fogo e confundindo-se sob a negritude aparente da prancha( eis que a luz não existe como cor negra), já tudo tornava-se vapor de novo e sentiu que   a noite que pincelava-se não tardaria...
    
 
    Lilian Reinhardt


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Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 07/05/2010
Alterado em 08/06/2010


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