imagem/instrumentos sonoros que pertenceram a Beethoven
A POÉTICA DO VAZIO DO ESPAÇO E DO TEMPO EM ‘FORA DO EGO DOMINANTE’ DE YOUSSEF RZOUGA EM PRÓLOGO DE CECILIA ORTIZ (releitura)
por Cecília Ortiz tradução do espanhol de Lilian Reinhardt
Eu não te faço nada basta-me atirar com o Eu e seu revolver ao ar livre" (YR)
“ A poesia não admite condicionamentos, utiliza uma linguagem rebelde, alheia às linguagens comunicacionais codificadas. A linguagem política e a comercial são falsificadoras, somos dominados por palavras com carencia de liberdade. A poesia permite que a palavra fale por ela. Na realidade é a palavra que nos domina.” José Angel Valente (Ourense, Espanha, 1929, Genebra, Suiça,2000) Começo o caminho acompanhando Youssef, adentrando a sua obra poética. Posso tomar-lhe a mão e percorre-la sem ajuda. É inevitável, faço-o tomando suas palavras uma a uma, a seus versos que decifram os eternos intentos de interpretar o planeta, sustentar o amor, apreender o que nos escapa e apenas vislumbramos. Este poeta é paisagem arraigada em evocações, em angústia existencial que não se redime diante do desconcerto como testemunha frente a realidade em si mesma. Como poeta contemporâneo, Rzouga utiliza o verso livre, quebra o ritmo, intensifica aquilo que afirma que ao poema cabe, em si, como em uma só palavra ou em uma linha mais extensa. Dessa forma não cessa sua intenção em dizer o que dói, o que emociona, fazendo sínteses em que mantém a eficácia da linguagem. Palavras ditas com clareza afirmam o que não pode ser silenciado. Onde está a fruta proibida? Paisagem interior versus paisagem exterior, assim, o poeta recorre, descreve, interpreta. Youssef Rzouga joga com as imagens sensoriais, descrevendo a abstração dos sentimentos. Mas, não é um jogo em si conquanto pareça mas, uma aposta franca da palavra. A linguagem cumpre com três funções, informativa, explicativa e poética. Esta última função, a criativa, não nos faz escrever um poema, necessàriamente. Rzouga utiliza com maestria a poética do vazio, do espaço e do tempo, tanto o conhecido como o psicológico. Perguntas e respostas que emergem do tema adentrando-se, girando. Como leitora surpreendo-me, recorro ao meu próprio mundo interior e respondo: não sei onde está, talvez esteja no pensamento de cada pessoa, em seus temores, em suas ilusões ou naquilo que deseja e não consegue. A fruta está no lugar que desejamos localiza-la. O proibido é um enigma. Youssef codifica a mensagem: não nos deixa vencer por etiquetas que nos colocam as estruturas. Nós, os leitores de poesia temos que nos adestrar, a poesia contemporânea requer isso, que estejamos dispostos a entregar a mente, aceitar o desafio do poeta, processa-la internamente e deixar que ela nos flua. “Sucede-me a idéia atroz de revolver-se no útero “ Tal é a sedução que revolver-se seria regressar ao lugar de onde partimos, não seguir com o que estamos fazendo. Estamos fazendo mal, logo a picardia, a ironia, qual? Eu não lhe faço nada basta-me atirar com o Eu e seu revolver ao ar livre Fora do eu dominador, fora de si mesmo, o poeta quando utiliza a diminuição de seu nome Youssef para um simples Yo (eu), é a vez do outro “eu”, do humano que perdeu o ser. Jogo duplo, um só significado. Qualquer um de nós pode ser esse “eu” que perdeu o seu caminho. “de onde vem o erro?” Mergulha-nos no Mundo ao meu modo de ver. Vou apagar tudo o alfabeto a metáfora a conjugação a sintaxe o por quê das coisas Observa, medita, argumenta: Muda o mundo como é naquele que deseja ver. Olha com outros olhos todos os lados do mundo. Realidade transtornada ou simplesmente realidade a olhos abertos e coração que bate apressado? Outros olhos e outros corações entrarão pela porta aberta do livro e não mais se estará só. “nada te impede de criar o mundo a tua imagem” Assim canta a ave do paraíso. Mensagem particular e geral, cada leitor recria sua própria imagem e se isso estendemos e compartilhamos, a imagem do mundo seria outra. Cada um é herói no seu caminhar diário pela vida. Sem estátuas, sem divulgação. O poeta capitaliza e compartilha, parte do caminho é feito. Em Rzouga a palavra se despoja de seu significado para tornar-se significante, independente, direta, peregrina, permitindo compartilhar o seu genesis criativo, o universo pessoal para que o habitemos durante a leitura. Entre alfa e ômega se estende o horizonte azul algo vermelho arde em algum lugar O êxtase do poema: tem bom ritmo, as imagens são inovadoras, visuais, movimentos, a poesia de Youssef tem essa particularidade, mostra o que diz, é uma habilidade que tem os narradores e além disso, transmite o sentido do amor pleno, confiante. Este canário alegre que canta sem cessar não é obrigado a fazê-lo mas algo raro absurdo e muito forte o impulsiona desde que o amor é amor a gorjear sem cessar A metáfora se desgarra do corpo, libera o sangue, nos faz sentir a avidez das sensações. Há algo mais por detrás do símbolo de aparência surreal,as notas musicais que não se dizem, mas, que estão no canto, sempre. Abre o mapa sobre o chão diga -onde está o umbigo do mundo? Algo curioso brilha fora do mapa que eu sei só de olhar para voce se vê o umbigo do universo todo Deixa isso! Deixa-me situar o epicentro do terremoto em teu próprio mapa Assim, encontrar o umbigo do mundo e a partir dele fundar uma nova cidade é fogo gerador de energia, o par, os polos, como um cerimonial em tempos turbulentos. Youssef Rzouga sabe que enclausurar-se deteriora os instintos naturais, só fica o vazio. A liberdade é uma condição natural que não deve ser ultrajada. Quando ocorre uma obstrução, um entupimento, obriga-nos a recorrer às próprias reservas, mesmo se localizada no sofrimento e recorrente a uma artéria, centro da vida criativa, do impulso de jogar. Descobre-se que não se pode morrer contendo a respiração, algo violento a compele respirar. Inala-se com ansia a vida, exala-se e o impulso se transfere à sua palavra. Fora do eu dominador, uma travessia imperdível. Impressionismo nas imagens e o significante das palavras conferindo força ao significado que marcha como mensagem de paz. Ao sair de sua obra poética recordo um fragmento para encerramento da apresentação: Este caminho desemboca em um labirinto Boa sorte!