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UMA CANÇÃO DESCASCADA
"executo meus versos na flauta das minhas vértebras..." (Maikóviski)
(líricas de um evangelho insano)
É um tempo de feridas,
de árvores descascadas,
de troca de penas,
de lava-pés!
Ontem meu pai chegou à noite,
minha mãe lhe retirou as botas,
e lavou seus pés na bacia com água tépida,
depois descascou laranjas de umbigo para êle.
Ontem, ele sentou no banco do jardim do hospital,
com seu roupão felpudo descamado,
olhou o céu e abençou as aves.
Lá voavamos nós...alcançou-nos
com sua benção
e depois partiu!
Atravessei os infernos
com um bouquet de flores nas mãos,
cuidei para que não se despetalassem pelo caminho,
as malas pesavam,
os pés doíam...
mas, o carrasco não as viu.
Sorte minha, sorte nossa!
Em cada árvore, um ninho,
até debaixo da ponte, ontem,
eu vi um.
Desde ontem essa argila seca
sem molde.
Adiciono, subtraio, extraio...
Um busto, dezenas de bustos,
com seu ponto de interrogação no lugar
da cabeça e pescoço.
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Na película...busto 3x4, retratos!
Sem rostos, não identificados!
Essa plasticidade faz reparos de arruelas,
sem Rodin. – Quem importa com a folha que cai
agora, quem se importa em pisar
nas formigas que cortam
o caminho? Elas picotam espinhos, ninhos?!!!
A estética das coisas similares,
Foucault desfocou!
Você me entende? A tarja no obituário
tenho mêdo! Salva-me!!!Tenho fé!
Vou guardar esses bustos assustados,
no armário para seca-los.
Secos como os figos, talvez vasos
poderão guardar azeite,
mortos secarão nas covas,
em horizontais e verticais linhas de Mondrian.
A água da bilha ferve e queima a pele
da galinha depenada...um cheiro horrendo...
Nas vitrines, nas ruas, na Alameda,
os cabides com seus trajes...
uma vernissage sem convites,
sem elites...a praça exposta,
com seus modelos...modelos e bustos!
Minha pele descasca,
começa a primavera,
o outono menstrua,
sangro o veneno do meu sono!
Não freqüentei o exército,
mas ele fazia parte das tropas de paz da ONU
no Golfo Pérsico e chorou até morrer os segredos
que nunca me contou...
Eu me desvelo, sou filha bastarda,
bem cedo senti o couro da pele queimada
pelo carimbo.
Visto-me, revisto os cabides,
passaporte das minhas lides (forenses).
Estou hoje dependurada no fio de alta tensão.
Como uma andorinha , conhece?
Vou compor pra voce de traz pra frente uma prece.
Esse branco e côncavo soneto sem rotas,
palavras mortas.
Você não me entende a língua.
Na Caverna de Altamira, o fogo aceso,
talvez...
vou sobrevoar de novo Machu Pichu!
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Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 19/07/2008
Alterado em 22/07/2008
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