26/05/2008 17h56
POEMA ( COM BORGES)
ARTE POÉTICA
( Jorge Luis Borges/tradução de
Rolando Roque da Silva)
Mirar o rio, que é de tempo e água,
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que passam os rostos como a água.
E sentir que a vigília é outro sonho
que sonha não sonhar, sentir que a morte,
que a nossa carne teme, é essa morte,
de cada noite, que se chama sonho.
E ver no dia ou ver no ano um símbolo
desses dias do homem, de seus anos,
e converter o ultraje desses anos
em um música, um rumor e um símbolo.
É ver na morte o sonho, e ver no o acaso
um triste ouro, e assim é a poesia,
que é imortal e pobre. A poesia
Retorna como a aurora e o ocaso.
Às vezes, pelas tardes, uma face
nos observa do fundo de um espelho:
A arte deve ser como esse espelho
que nos revela nossa própria face.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao avistar sua Ítaca
humilde e verde. A arte é essa Ítaca
de um eterno verdor, não de prodígios.
Também é como um rio interminável
que passa e fica e que é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante que é o mesmo
e é outro, como o rio é interminável.
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Publicado por Lilian Reinhardt em 26/05/2008 às 17h56